Quando esse filme foi exibido nos cinemas daqui (e o foi por um longo tempo), não consegui assisti-lo. Filas intermináveis, batalhão de molecada, ingressos esgotados... peguei preguiça. Esperei que saísse em DVD; saiu, eu me esqueci, ou não tive tempo, ou fui mesmo empurrando com a barriga até que, dias antes das férias, uma amiga da escola, ao saber que eu ainda não tinha visto Avatar, me emprestou seu DVD, afimando: Assista, você vai gostar. Esse filme é lindo.
Trouxe o bendito para casa e passei dias só olhando para ele, dividida entre a opinião de minha amiga e a lembrança do tom monocórdio e condescendente de José Wilker para falar de Avatar durante toda a cerimônia do Oscar. Até para Belo Horizonte esse DVD viajou, e de lá voltou intacto. Chegou o final das férias e já imaginava com qual desculpa eu devolveria Avatar não visto quando, num ímpeto, resolvi: municiei-me de uma mega caneca de café, de um mega pacote de Fandangos e, agarrando o DVD, pensei: vamos pôr essa merda pra rodar e ver no que dá.
E, claro, antes da primeira cena, esvaziei minha cabeça de toda e qualquer pré-informação boa ou má sobre Avatar – coisa que deveria ter feito há muito tempo –, mantendo apenas uma indicação: isso é um filme de James Cameron. Ponto.
E, qual não foi minha surpresa quando, terminado o filme... descubro que gostei?
Avatar é um deleite para os olhos. Pandora é um paraíso de cores e formas de tirar o fôlego, onde os tons frios se mesclam os quentes com perfeição, formando belíssimos contrastes.
Numa cena em especial, em perspectiva aérea, os protagonistas nadam num lago luminoso cujo fundo remete ao céu de um dos quadros de Van Gogh de que mais gosto, o Noite Estrelada.
Esse trabalho com as cores em Avatar me emocionou quase tanto quanto em O Clã das Adagas Voadoras.
(NÃO FIQUEM HISTÉRICOS, TROLLS! NÃO ESTOU COMPARANDO ZHANG YIMOU COM JAMES CAMERON! LEIAM ANTES DE GRITAR!)
Mas, enfim... Dá a maior vontade de ir para Pandora e se tornar um Na’vi, exatamente como fez o protagonista da história, e até por menos.
Ele, um solitário veterano de guerra paraplégico, puto por ser tomado como um inútil, amargurado pela morte do irmão, de repente se vê com a oportunidade de trocar de corpo com um avatar Na’vi de três metros de altura, atlético, ágil e vendendo saúde. Ele seria imbecil de recusar? Você seria?
Até eu daria o fígado por essa experiência! Trocar meu corpo que começa a ficar cansado por um novinho, totalmente saudável e ativo, revestido por uma maravilhosa pele azul e adornado por lindos olhos amarelos?
Passar a viver num lindo mundo selvagem livre de celulares, academias de ginástica, funk e gente mal-educada para atender em balcão?
Nem a Tenente Ripley foi capaz de resistir a tamanha tentação!
Em termos práticos, Avatar é uma mistureba bem levinha de conceitos que já foram explorados das mais variadas formas em muitos outros filmes: os mitos do bom selvagem, do Eldorado e do elo perdido, a preservação da natureza, a opressão de minorias, o despertar da força interior, o sentimento de nação, blá blá blá blá...
De fato, não é o melhor filme do mundo, não é o roteiro (oi?) mais primoroso, não é educativo, não é verdadeiro... é James Cameron, porra! É puro divertimento, escapismo, cinema sem maiores pretensões além de divertir o público!
Alguém até pode argumentar: ah, mas Titanic também é do James Cameron!, ao que respondo, sim, é; mas o único ponto onde Titanic parece mais sério do que Avatar é no fato de o naufrágio ser um fato real; fora isso, os demais ingredientes cameronísticos estão lá: um roteiro clichezão que amarra o drama dum herói involuntário, uma mocinha encantadora porém destemida, um vilão lafranhudo, um romance, um plano que deu errado, uma briga, uma reconciliação, uma situação dramática que acaba bem para o herói e/ou a mocinha e onde o vilão, claro, se fode. Tudo isso embalado por muita correria, trilha sonora grandiosa e efeitos especiais de tirar o fôlego. Sim, cinemão pipoca por excelência, e acho que ninguém devia ter esperado de Avatar mais do que isso.
Quem foi ao cinema achando que ia encontrar em Avatar engajamento social, formação de opinião, profundidade & afins, que me desculpe, mas pediu voluntariamente para ser enganado e, em minha opinião, não tem o direito nem de reclamar nem de detonar o filme. Se é isso que você procura em um filme, então seu caminho é Ang Lee, Gus van Sant, Truffaut, Costa Gavras, Lars von Trier, Neil Jordan, Buñiel, Jean Cocteau... dentre outros.
Considero meu gosto para filmes bem eclético; assisto desde O Gabinete do Dr. Caligari até O Mestre da Guilhotina Voadora. Tudo o que exijo de um filme é que ele seja bom dentro daquilo a que se propõe, e acho que todos têm que ter em mente, ao preparar-se para ver qualquer filme, a que público ele se destina e por quem ele foi produzido ou dirigido.
Não adianta sentar para ver O Último Imperador e reclamar que o filme é devagar pacarái; claro que tem que ser, é do Bertolucci, que adora longas e contemplativas cenas panorâmicas; assim como não adianta interromper Duro de Matar no meio e gritar que aquilo é a merda mais mentirosa que você já perdeu tempo em ver: claro que tem que ser, meu filho! Onde já se viu filme de ação ter lógica? Ou você acha que funcionaria um roteiro lógico & verdadeiro num filme onde a premissa básica é o herói manter-se vivo até o final, pegar a gostosa, matar o vilão e salvar o mundo, isso tudo ao mesmo tempo agora?
O problema é que a crítica cinematográfica tem andado cheia de pseudo-intelectuais e também de intelectuais intransigentes e intolerantes, que cobrem de elogios as produções que casam com seus gostos pessoais e detonam sem piedade aqueles filmes que não são de seu agrado. Isso, a meu ver, é pura falta de profissionalismo. É babaquice de gente que se acha o máximo e se diverte fazendo trollagem e ofendendo quem não compartilha de seu gosto.
Não acho que as pessoas tenham de gostar de tudo o que aparece, nem de elogiar tudo o que se faz em cinema. Mas, também acho que não dá para gostar só de Cronenberg ou só de Spielberg; não dá para dizer que só o cinema europeu ou iraniano é que é bom, e que todo filme norte-americano é uma merda acéfala. Existem coisas boas e coisas ruins, obras primas e porcarias completas no currículo cinematográfico de todo o planeta. E, claro, um mesmo diretor, independentemente de sua nacionalidade, pode criar um filme brilhante e, mais tarde, fazer uma lambança federal.
Ôpa! Por acaso ouvi alguém dizendo George Lucas?...
Resumindo, nada é absoluto na Sétima Arte; mas, se há quem realmente acredite no contrário, tudo o que tenho a dizer-lhe, então, é um sonoro só lamento, amigo.
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