28.6.09

Moonwalker

Confesso que a morte de Michael Jackson me entristeceu. Apesar de parecer imbecil lamentar o falecimento de um total desconhecido, há um certo sentido: desde que me entendo por gente musical, o Rei do Pop sempre me fez cantar e dançar, seja com seus grandes hits em carreira solo, seja com as canções alegrinhas do Jackson Five.


A mais considerável lembrança que tenho de Michael data do lançamento de Thriller. À época, eu era uma aborrecente medrosa, e aquele clip me transtornou. A música, contagiante e irresistível, combinada com a tola porém bem narrada história do rapaz louco por filmes de terror que acaba por viver um deles não me deixava desgrudar os olhos da TV, embora eu soubesse que todos aqueles zumbis me custariam pelo menos uma semana de apavoradas noites insones. That's the real thriller, baby.


Este clip, dirigido por John Landis, embora hoje em dia, em frios termos de conceito, pareça não ter nada de extraordinário e ser até mesmo tosco, escuro e mal-finalizado, apenas parece: em verdade, trata-se de um marco extraordinário na história da música pop.


Se não me engano, foi a primeira vez em que um clip narrou uma história completa, combinando os elementos musicais, visuais e textuais com harmonia. E, a despeito da passagem dos anos e das inúmeras exibições, a sensação que se tem é a de que Thriller nunca envelheceu: é impossível não tornar a se contagiar enquanto se o assiste pela quinquilhonésima vez.


Michael sempre foi assim: diferente, inovador, inimitável. Até mesmo em seus excessos pessoais, que não discutirei; deixo isso a cargo dos psiquiatras, psicólogos e advogados.


Como artista, Jackson possuía um estilo inconfundível, com sua voz aguda e afinada, pernas e pés flexíveis ao absurdo e uma criatividade invejável. Independentemente de se tratar de um fã, ou de um crítico, ou de um popular qualquer, sempre que se anunciava um novo hit do Rei do Pop todos paravam para conferir, pois a expectativa era única: decerto, aí vem algo incomum e inovador.


Mesmo nos tempos atuais onde foi mais notório pela ausência, Michael provou como seu trabalho era marcante: bastou anunciar que retornaria aos palcos, e os ingressos para todos os shows esgotaram-se em tempo recorde. O artista sempre se sobressaiu ao humano, e, apesar de tudo, milhares de pessoas se dispuseram a prestigiar aquele cujo extraordinário modo de dançar foi sempre imitado, mas nunca igualado.


Fique em paz, Michael. Espero que você, capaz de fazer dançarem até mesmo os mortos, possa caminhar feliz por entre as estrelas.


Mais do que nunca, agora, você é Moonwalker por excelência. ^^

15.6.09

Zen

Anoitecia. No templo budista, sempre silencioso, o cair da tarde era, mais do que qualquer outro, um momento de quietude. Do lado de fora, em torno do lago de carpas e seixos, nem o salgueiro, batido pela brisa, sussurrava. Apenas os pardais faziam a costumeira balbúrdia na hora de deitar, arrumando-se nos galhos das amendoeiras.

O homem entrou em silêncio, tirando os sapatos e sentando-se em posição de lótus sobre uma das muitas almofadas dispostas no salão. Era o primeiro. Olhou em torno e observou as outras almofadas dispostas pelo chão em círculo, quadrados de cor fúcsia destacando-se sobre o assoalho de tacos, muito encerado e limpo. Nas janelas, a brisa balançava os conjuntos de sinos, fazendo tilintar seus pequenos cilindros de cobre. Fechou os olhos e esperou.

Não sabe ao certo, mas talvez tenha adormecido, porque foi despertado de seu torpor pela presença de um gato, que subira em seu colo. Abriu os olhos e acariciou-o, sorrindo. Conhecia muito bem aquele gato. Era um dos dois animaizinhos que viviam no templo e que estavam sempre por ali. Ele ouvira falar que eram mãe e filho. A mãe, uma gata mais volumosa, de pêlo tricolor, preto, marrom e branco, e o filho - esse que acabara de subir em seu colo -, todo cinzento.
Erguendo o rosto, o homem percebeu que as pessoas já haviam chegado para a reunião. Estavam sentadas nas almofadas, formando um círculo quase completo. Cumprimentou-as com a cabeça, sorrindo, um pouco sem graça por ter cochilado.
Nesse instante, o gato desceu de seu colo. Caminhou devagar até uma moça que estava sentada na almofada mais próxima e, da mesma forma como fizera com ele, subiu no colo dela. Ficou alguns segundos e depois saiu, indo subir no colo seguinte. E assim continuou, de colo em colo. Em cada um, o gatinho pedia carinho, encostando a cabeça na mão das pessoas.
Todos olhavam a cena, curiosos. O mestre, que entrara pouco antes, estava em silêncio. Em vez de começar a reunião, também observava o gato. O animal tornara-se de repente o centro das atenções.
Depois de passar pelo colo de todos os presentes, o animal saiu da sala. Caminhou com seu passo cadenciado, indiferente aos olhares, desaparecendo pela porta principal. E só então o mestre falou, fazendo uma revelação: naquela manhã, a mãe do gatinho tinha morrido.
(Zen, Heloisa Seixas. Sete vidas. São Paulo: Cosac & Naif, 2003.)

9.6.09

A Maracutaia é de Antanho


Enquanto lia o interessante 1808, de Laurentino Gomes, deparei-me com situações que julgava típicas apenas de nossos tempos atuais, mas que, desgraçadamente, vêm desde as priscas eras de Dão Jão VI.

A idéia que se tem, em tese, é aquela do aperfeiçoamento do homem com o passar do tempo, onde ele observa suas práticas, mede o alcance, os benefícios ou malefícios dessas mesmas práticas e as adapta para o bem comum ou então as descarta como inadequadas ou imorais.

Recorro ao meu estimado amigo Logan para retrucar esta teoria: Tu bebeu?

Pelo que vejo, acorde com o narrado no livro de Gomes, o brasileiro conseguiu adaptar esta teoria de uma forma bastante peculiar, através do aperfeiçoamento gradual da então Corrupção que infestava a Administração Pública do Brasil do século XIX até chegar à Maracutaia dos Tempos Atuais.


Acho que, numa espécie de deboche – porque ninguém como o brasileiro sabe ser engraçadinho em horas que não convém -, os corruptos aproveitaram o ocorrido no Direito das Coisas para promover a evolução da Corrupção à Maracutaia: assim como os juristas aproveitaram e aperfeiçoaram os Institutos Romanos para a realidade moderna, nossos diletos ladrões de colarinho engomado fizeram o mesmo com certas práticas adotadas pela Coroa, estendendo-as aos nossos dias e causando em quem ainda possui nem que seja uma gota de honestidade um constrangedor dèja-vù.

Os fatos falam por si:


O historiador Luiz Felipe Alencastro conta que, além da família real, 276 fidalgos e dignitários régios recebiam verba anual de custeio e representação, paga em moedas de ouro e prata retiradas do tesouro real do Rio de Janeiro. (...) Um dos padres recebia um salário fixo anual de 250.000 réis – o equivalente hoje a 14.000 reais – só para confessar a rainha.

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Outra herança da época de D. João é a prática da caixinha nas concorrências e pagamentos dos serviços públicos. O historiador Oliveira Lima, citando os relatos do inglês Luccock, diz que se cobrava uma comissão de 17% sobre todos os pagamentos ou saques no tesouro público. Era uma forma de extorsão velada: se o interessado não comparecesse com os 17%, os processos simplesmente paravam de andar.

...

No Brasil, Azevedo (Joaquim José de Azevedo, administrador de compras e estoques da casa real) enriqueceu tão rapidamente e teve sua imagem de tal modo ligada à roubalheira que no retorno de D. João VI, em 1821, foi impedido de desembarcar em Lisboa pelas Cortes portuguesas. A proibição em nada perturbou sua bem-sucedida carreira. Ao contrário. A família continuou enriquecendo e prosperando depois da independência.


E, completando este último dado, Laurentino Gomes ainda nos dá o golpe de misericórdia ao informar que o ilustre supracitado corrupto, em reconhecimento pelos serviços prestados à Coroa, foi promovido de Barão a Visconde por D. João VI!

Ora, pipocas!!

Por um breve momento imagino uma realidade alternativa onde tivéssemos retornado à Monarquia; pelo Eterno, quantos Viscondes, Barões, Condes e Marqueses da Maracutaia não veríamos flanando, janotas, pelas calçadas!... E, mantendo o crossover com o passado, poderíamos aproveitar os versinhos populares que corriam pelo Rio de Janeiro de mil oitocentos e inhame:

Quem furta pouco é ladrão
Quem furta muito é barão
Quem mais furta e esconde
Passa de barão a visconde.

Oh! Vergonha!!!! Onde estás, que não respondes????