15.6.09

Zen

Anoitecia. No templo budista, sempre silencioso, o cair da tarde era, mais do que qualquer outro, um momento de quietude. Do lado de fora, em torno do lago de carpas e seixos, nem o salgueiro, batido pela brisa, sussurrava. Apenas os pardais faziam a costumeira balbúrdia na hora de deitar, arrumando-se nos galhos das amendoeiras.

O homem entrou em silêncio, tirando os sapatos e sentando-se em posição de lótus sobre uma das muitas almofadas dispostas no salão. Era o primeiro. Olhou em torno e observou as outras almofadas dispostas pelo chão em círculo, quadrados de cor fúcsia destacando-se sobre o assoalho de tacos, muito encerado e limpo. Nas janelas, a brisa balançava os conjuntos de sinos, fazendo tilintar seus pequenos cilindros de cobre. Fechou os olhos e esperou.

Não sabe ao certo, mas talvez tenha adormecido, porque foi despertado de seu torpor pela presença de um gato, que subira em seu colo. Abriu os olhos e acariciou-o, sorrindo. Conhecia muito bem aquele gato. Era um dos dois animaizinhos que viviam no templo e que estavam sempre por ali. Ele ouvira falar que eram mãe e filho. A mãe, uma gata mais volumosa, de pêlo tricolor, preto, marrom e branco, e o filho - esse que acabara de subir em seu colo -, todo cinzento.
Erguendo o rosto, o homem percebeu que as pessoas já haviam chegado para a reunião. Estavam sentadas nas almofadas, formando um círculo quase completo. Cumprimentou-as com a cabeça, sorrindo, um pouco sem graça por ter cochilado.
Nesse instante, o gato desceu de seu colo. Caminhou devagar até uma moça que estava sentada na almofada mais próxima e, da mesma forma como fizera com ele, subiu no colo dela. Ficou alguns segundos e depois saiu, indo subir no colo seguinte. E assim continuou, de colo em colo. Em cada um, o gatinho pedia carinho, encostando a cabeça na mão das pessoas.
Todos olhavam a cena, curiosos. O mestre, que entrara pouco antes, estava em silêncio. Em vez de começar a reunião, também observava o gato. O animal tornara-se de repente o centro das atenções.
Depois de passar pelo colo de todos os presentes, o animal saiu da sala. Caminhou com seu passo cadenciado, indiferente aos olhares, desaparecendo pela porta principal. E só então o mestre falou, fazendo uma revelação: naquela manhã, a mãe do gatinho tinha morrido.
(Zen, Heloisa Seixas. Sete vidas. São Paulo: Cosac & Naif, 2003.)

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