11.10.11

BIBELÔS


Dias atrás, durante meu sagrado horário de lanche no trabalho, encontrei abandonada sobre uma mesa um exemplar da revista Nova. Sem ter mais o que fazer, e acompanhada por um belo sanduíche de mortadela e um copo de café quentinho, abri a revista a esmo para ver qual extraordinária revelação da última semana ela me traria. Caí numa página com o sugestivo título O Que Eles Gostam...

Meu alerta vermelho interior foi acionado imediatamente: não há sequer uma vez em que eu perca meu tempo em ler esse tipo de coisa e não me emputeça. Porém, como mais do que burra eu sou teimosa, ou talvez mais do que teimosa eu sou burra, ignorei o referido alerta vermelho e, dando mais uma mordida no meu sanduíche, comecei a ler o artigo, dividido em várias seções onde sujeitos randômicos, entre 25 e 45 anos, opinavam sobre aquilo que lhes agradava (ou não) em uma mulher.

Um dos sujeitos dizia que, para ele, mulher tinha que ser delicada, educada. Nada o desagradava mais do que levar uma mulher para jantar e ela comer tanto quanto ou mais do que ele; dava-lhe a sensação de que estava saindo com um amigo ou um colega de escritório. E se caso a mulher se comportasse daquele jeito num primeiro encontro, ele perdia o interesse por ela na mesma hora.

Avaliei o tamanho de meu sanduíche de mortadela – lanche mais ogro, impossível – e, depois de uma boa dentada, prossegui com a leitura.

Outro sujeito afirmava que não há nada mais brochante do que sair com uma mulher que não sabe manter o clima gostoso de romance. Didático, explica que essa mulher é aquela que, durante uma conversa, em vez de deixar o papo fluir, ela insiste em debater qualquer assunto, dar sua opinião sobre tudo e discordar das coisas. Enfático, arremata dizendo que se ele quisesse debates ou discussões teria saído com os amigos, e não com uma gata.

Nesse momento lembrei-me de que geralmente sou tida como a do contra, mesmo quando minha intenção não é essa em absoluto. Balancei a cabeça e fui adiante.

Um empresário de quarenta anos afirmou adorar mulheres que ele pode proteger, envolver em seus braços e fazê-las caberem inteiras em seu abraço; uma mulher pequena é uma mulher adorável. Ao contrário, uma mulher alta, grande, não lhe dá a mínima vontade de proteger, e sim lhe causa a impressão de que está saindo com outro homem.

Eu meço 1,73. E, como sou burra, ou teimosa, ou ambos, continuei lendo.

Ainda seguindo a linha física, o próximo homem falava de sua atração por mãos femininas. As mãos que lhe agradam numa mulher têm que ser pequenas, delicadas, macias e sempre com as unhas bem feitas. Ele tem pavor de mulher com mãos grandes, que parecem patas... ele foge delas, porque, afinal de contas, quem tem que ter mão grande é homem (a revista aqui insere “risos”).

Eu também rio, amarelo, ao perceber que da linha do meu pulso até a ponta de meu indicador são exatos dezoito centímetros.

Por fim, a última opinião que leio é a de um indivíduo de 38 anos que, seguindo os passos do anterior, tem paixão por pés femininos... aqueles pezinhos pequenos, macios, delicados, que ele adora beijar. Logo que ele conhece uma mulher, a primeira coisa em que repara é no tamanho dos pés; se ela tiver pés grandes, ele a descarta na hora; quer coisa mais desagradável do que uma mulher que calça como um homem?

Desagradável como eu, que calço 38 / 39?

Emputecida, larguei a revista de lado. Mas que porra é essa, meu Deus? O que esses homens têm na cabeça? Descartar uma mulher só porque ela tem os pés grandes? Porque ela gosta de comer? Porque ela não tem medo de pensar por seu próprio cérebro e expor suas idéias e opiniões? Porque ela tem a altura deles e pode olhá-los diretamente nos olhos?

Em pleno século XXI esses homens não querem uma mulher, eles querem um bibelô; uma coisinha linda, meiga e gostosa que podem exibir na rua e usar para fazer inveja nos amigos, porque estão pegando.

E me assusta pensar que muitas mulheres alteram suas personalidades, se matam em tratamentos estéticos e se transformam em bibelôs justamente para agradar a esse tipo de homem, apenas por medo de não serem aceitas e, por isso, ficarem sozinhas.

Tem algo muito errado nisso aí...

5 comentários:

Luci Cardinelli disse...

É que as coisas só mudam no discurso, no fundo continua tudo a mesma coisa d trocentos tempos atrás, infelizmente.
beijosss

Fabiana disse...

Não desanime! Esses são os resultados de uma reportagem que provavelmente entrevistou estereótipos masculinos dignos do século retrasado. Obviamente, conseguiriam respostas retrógradas. Eles são a maioria? Infelizmente. Mas acredito firmemente que existam homens que não gostam de mulheres frescas e que buscam uma companheira de jornada, com quem possam discutir e esperar opiniões próprias e porque não proteger e serem protegidos quando necessários?

Raven disse...

Sim, Fabiana, você está certa em seu comentário, e foi essa a avaliação que eu fiz, também, quando reclamo abertamente desse tipo de homem. Acredito que ainda existam homens com cérebro e sensibilidade que sabem avaliar a mulher que existe além dos estereótipos físicos e comportamentais.:0)

PK disse...

Garotas, saiam de perto: eles querem uma boneca inflável.

Sempre come menos que eles (Depende do comer, mas nesse caso eles sempre se agradam), nunca vai argumentar de volta (Bônus por nunca sair nada da boca, apenas entrar), é portátil (Eles envolvem elas nos braços, nas mochilas...) e (creio eu) ainda tem mãozinhas e pezinhos!

Adorei o blog! Espero que não se importe, vou pô-lo em meu feed. :D

Ioialá, eu como homem pelo jeito não quero uma gata, mas uma colega de trabalho. Que coisa... será que é negar minha masculinidade ser interessado apenas por confrontadoras? haha

Sel disse...

Essas revistas sempre vêm com essas opiniões sessentistas de feminilidade, de ter de ser, de "a verdadeira mulher", que tá mais pra "a verdadeira maionse". É isso aí, querem pregar a mulher Hellman's. Tudo nessas revistas, da matéria de sexo à de moda, está vendendo o padrão de beleza que, vejam só, as marcas que as patrocianam vendem.

O padrão do impossível, o padrão do inatingível o padrão do "vc pode, desde que...". Olha... É triste, é trágico, é a receita da insatisfação por inadequação - esse mal do nosso tempo.